Resenha: “Language   as   Culture   in   U.S.   Anthropology;   Three   Paradigms”

Resenha

DURANTI, Alessandro. “Language   as   Culture   in   U.S.   Anthropology;   Three   Paradigms”. Em Current    Anthropology,   Vol.   44,   n° 3,  2003,   pp.323-347

No artigo “Language   as   Culture   in   U.S.   Anthropology;   Three   Paradigms”, publicado na revista Current Anthropology em 2003, o linguista Alessandro Duranti realiza uma revisão da variação histórica das práticas e objetivos da antropologia norte-americana em torno ao estudo da linguagem como cultura. O autor identifica três paradigmas, adotando os conceitos de paradigma e revolução das ciências de Kuhn (1962), em relação com os câmbios profundos que tem se sucedido nos modos de estudar a língua. A divisão dos três paradigmas não é absoluta, tem havido coexistência deles em alguns períodos e “zonas de intercâmbio”, isto é, influência entre pesquisas de diferentes paradigmas. 

O primeiro paradigma reconhecido por Duranti surgiu a finais do século XIX, com a perspectiva Boasiana da antropologia, na qual o estudo da língua era tão importante quanto o estudo da cultura, assim como os registros biológicos e arqueológicos. O objetivo centra desse paradigma, de acordo com Duranti, foi o de documentar, descrever e classificar as línguas indígenas, com base no léxico e nas estruturas gramaticais, especialmente as de Norte-América. Essa missão foi também chamada de linguística de salvatagem, já que eram documentadas línguas e tradições culturais que estava em risco de extinção a causa da colonização europeia. 

Nesse paradigma, os linguistas trabalharam nos departamentos de antropologia, fornecendo aos antropólogos as técnicas e a especialidade da linguística no que refere a fonética, léxico e gramática. A língua era entendida como um sistema simbólico arbitrário e a relação entre ela e a realidade era também entendida como inconsciente e arbitrária. As unidades preferidas de análise foram a oração, palavra e morfema, e desde a década dos 20, fonema; também textos (mitos, contos tradicionais). Os métodos preferidos para recoleição de dados foram elicitação de listas de palavras, padrões gramaticais, e textos tradicionais a partir do trabalho com falantes nativos. A partir da descrição e classificação das línguas, se buscava também estabelecer relações genéticas entre elas.

Entre os postulados teóricos mais notórios do primeiro paradigma, encontra-se a hipótese da relatividade linguística, também chamada de hipótese Sapir-Whorf, a qual assegura que as línguas forneciam seus falantes nativos de um conjunto de predisposições dificilmente questionáveis, como por exemplo, perceber apenas algumas distinções de sons, favorecer determinadas classificações, que teriam um impacto na interpretação da realidade e, consequentemente, na conduta. Franz Boas, Edward Sapir, Benjamin Whorf  e Joseph Greenberg são os acadêmicos mais importantes desse paradigma.

O segundo paradigma que reconhece Duranti é frequentemente identificado pelos nomes “antropologia linguística” e “sociolinguística”. Este paradigma teve lugar durante os anos 60, nos quais houve um grande crescimento de departamentos de linguística nas universidades dos Estados Unidos, o que parece estar vinculado ao surgimento da linguística chomskiana e ao entusiasmo que esta perspectiva na linguística provocou ao combinar o rigor das ciências duras e uma apertura em direção aos fenômenos mentais. Paralelamente ao desenvolvimento da gramática chomskiana junto com a revolução cognitiva, teve lugar, na calçada da frente, o nascimento da sociolinguística urbana com orientação quantitativa de William Labov e a etnografia da comunicação ou da fala, cujos precursores foram Gumperz e Hymes. 

De maneira decididamente oposta à preferência de Chomsky pelo trabalho apenas com as intuições dos linguistas ou de alguns falantes nativos, o novo paradigma no estudo da língua como cultura ergueu-se sobre três aspectos fundamentais, a saber, que (i) a comunidade de fala deve ser tomada como ponto de partida, (ii) a língua deve ser estudada no seu “contexto de situação”, termo tomado de Malinowski (1923), (iii) o estudo deve começar na descrição gramatical e etnográfica e ir até a observação dos padrões na “atividade de fala”. Entre os principais aportes teóricos, encontra-se a introdução do coneito de “variedade” por Ferguson e Gumperz (1960), deslocando o antigo termo de “dialecto”. 

Um texto particularmente relevante desse paradigma é Language in Culture and Society: A Reader in Linguistic Anthropology (1964), editado por Hymes, no qual foram reunidos uma ampla gama de materiais sobre aspectos culturais e sociais do uso da língua e de sua estrutura. Essa coleção de ensaios foi um esforço por definir como a língua devia ser estudada, e, ainda mais, promovia uma nova perspectiva reconhecida como “antropologia linguística”, em oposição ao termo “linguística antropológica”. Dessa maneira, Hymes sustentou uma identificação com o estudo da língua em relação com a cultura a partir do âmbito da antropologia, no lugar da linguística. Na perspetiva de Hymes, a linguística devia se ocupar do estudo da língua sobre si mesma, enquanto a tarefa da antropologia era o estudo da língua a partir do ponto de vista do homem. Destarte, Hymes diferenciou os interesses da antropologia linguística como campo de estudo. Tal perspectiva significou, por um lado, uma concentração nos aspectos da língua necessários para a compreensão da cultura e que deviam ser estudados com métodos etnográficos, como a observação participante; por outro lado, o estudo das formas linguísticas como parte das atividades culturais ou como constituindo por si mesmas uma atividade, isto é, um evento que é definido pelo uso da língua (por exemplo, um debate, uma entrevista, uma audiência judicial). 

Duranti salienta que este paradigma rompeu com a definição de língua apenas como gramática e apontou novos caminhos para pensar a língua como cultura. Não obstante, o programa de Hymes careceu de conexões com a antropologia cultural e muito menos com a antropologia biológica e a arqueológica, fato que separou os seguidores do segundo paradigma dos antropólogos, que buscavam uma explicação universal e evolutiva em certos domínios das línguas humanas. 

O autor adiciona que o segundo paradigma compartilhou muito pouco com a antropologia cognitiva daqueles anos e a polêmica sobre a relação entre linguagem e pensamento ficou fora da pesquisa dos seguidores do segundo paradigma. A língua não era mais considerada uma janela ao estudo da mente humana, como foi para Boas e os seguidores do primeiro paradigma. Prevaleceu o estudo da língua no seu contexto social. O objetivo era documentar e explicar a variação entre falantes ou entre eventos, ao invés de buscar explicações sobre cosmovisões ou sobre a percepção particular da realidade em diferentes culturas e línguas.

Entre as unidades preferidas de análise, no segundo paradigma, Duranti salienta a comunidade de fala, competência comunicativa, repertório, variedades linguísticas, estilo, eventos de fala, ato de fala, gênero. Os métodos preferidos de recoleição de dados foram observação participante, entrevistas informais, gravações magnetofónicas de fala espontânea.

Esse segundo paradigma foi consolidado na década dos 80, mediante uma grande produção de publicações e projetos e a obtenção de cargos estáveis em universidades por parte de seguidores de Hymes e Gumperz. Duranti salienta quarto focos de interesse na década dos 80: (1) a atuação (performance), (2) socialização linguística primária e secundária, (3) indexicalidade e (4) participação.

Atuação. A noção de atuação (performance) com que Chomsky designou a criatividade, o posto em ação da língua – como contrapartida da competência, o conhecimento implicito do falante sobre a sua própria língua-  foi redefinida e estendida a outros territórios com o pressuposto de que falar constituía um elemento essencial da vida social. O interesse pela atuação ou performance levou os pesquisadores ao estudo da performatividade em relação com a definição e a negociação da identidade de gênero.    

Socialização linguística primária e secundária. O interesse pela adquisição da linguagem entre os adeptos do segundo paradigma se disparou a partir da publicação de um artigo de Elinor Ochs e Bambi Schieffelin (1984) onde foi identificada a sociologia como uma ponte entre a antropologia e o desenvolvimento da língua, entendida tanto como uma socialização na língua, quanto uma socialização pela língua. Esses autores projetaram um programa de investigação que integrava métodos desenvolvidos na psicologia evolutiva com métodos desenvolvidos na antropologia cultural.

 Indexicalidade. Os pesquisadores do segundo paradigma revisitaram os postulados filosóficos sobre os signos e os índices e começaram a examinar a língua em contextos culturais específicos a partir do conceito de índice e perceberam toda expressão é indexical, ou seja, que precisa ser referida a um contexto para obter uma interpretação culturalmente adequada.

 Participação. Um dos componentes do modelo de evento de fala de Hymes eram os “participantes”, conceito que inclui tanto o falante ou emissor, quanto o ouvinte, destinatário, receptor. Estas categorias  foram analisadas em profundidade ao final dos anos 70. Uma das principais contribuições foi a de Goffman, quem introduz a noção de marco de participação como uma configuração combinada de estatutos de participação ativados pelo uso de uma forma linguística particular.

 

O terceiro paradigma reconhecido por Duranti teve lugar no final da década de 80 e durante os anos 90. Durante esses anos aconteceu um renascimento do construtivismo social. As perspectivas sobre a interação mantiveram a ideia de que muitos dos usos da fala se produzem com base na calibração do tono em gênero e o tipo de interação realizada entre o falante e a sua audiência e a ideia de que a língua é apenas um dos recursos semióticos para a produção de ambos valores, o conteúdo preposicional e o conteúdo indexical. 

O terceiro paradigma, segundo observa Duranti, está caracterizado pela adoção de perspectivas teóricas desenvolvidas por fora da antropologia ou da linguística, tais como a teoria da estruturação de Giddens, a teoria sobre a prática de Bourdieu, o dialogismo de Bakhtin e os enfoques sobre conhecimento e poder de Foucault. Duranti salienta que os pesquisadores desse paradigma costumam formular perguntas do tipo: de que maneira contribui o estudo da língua à compreensão de um fenômeno social/cultural particular (como por exemplo, a formação de identidade, a globalização, o nacionalismo)? Assim, a língua nesse paradigma já não é concebida como um objeto primário de pesquisa, mas como um instrumento para acessar os processos sociais complexos.

Em síntese, o objetivo do terceiro paradigma é o uso de práticas linguísticas para documentar e analisar a reprodução e transformação de pessoas, instituições e comunidades em diferentes espaços e tempos. A perspectiva que os seguidores desse paradigma têm sobre a língua é a de um produto interacional carregado de valores indexicais, incluídos os valores ideológicos. As unidades preferidas de análise são as práticas linguísticas, o marco de participação, a conceição de sujeito/pessoa/identidade. Os métodos de recoleição de dados mais empregados são a análise social-histórica, a documentação audiovisual de encontros humanos com especial atenção à temporalidade do encontro e à dinâmica inerente à configuração de identidades, instituições e comunidades desenvolvidas passo a passo. Os pressupostos teóricos centrais desse paradigma são a relação macro-micro, a heteroglosia, integração de diferentes recursos semióticos, entextualização, corporização, formação e negociação de identidade/sujeito, narratividade, ideologia linguística.

Duranti salienta que os paradigmas não morrem. Antigos paradigmas podem continuar prosperando enquanto novos paradigmas nascem. Um exemplo disso foram as publicações na revista Anthropological Linguistics e Oxford Studies in Anthropological Linguistics com estudos enquadrados na perspectiva linguística e antropológica do primeiro paradigma sobre línguas nativas de Norte-América e recopilação de relatos tradicionais orais. O desenvolvimento de cada um dos paradigmas tem contribuído à expansão do estudo da língua como cultura. De acordo com Duranti, hoje em dia, os departamentos de antropologia dos Estados Unidos contam com seus próprios expertos em língua e que se interessam pelo seu estudo como meio fundamental da vida social.

O texto de Duranti apresenta de maneira detalhada as linhas de desenvolvimento e pesquisa que foi tomando o estudo da linguagem em relação com a cultural e as complexas relações entre diversos paradigmas. É uma revisão crítica que permite ao leitor ter uma sistematização do campo da antropologia linguística/ linguística antropológica a partir da noção de paradigma. 

 

Referências bibliográficas

FERGUSON, Charles; GUMPERZ, John Joseph. Linguistic diversity in South Asia: Studies in regional, social and functional variation. Indiana University Reasearch Center in Anthropology, Folklore, and Linguistics/ Internationa Journal of American Linguistics  26, 1960.

MALINOWSKI, Bronislaw. “The problem of meaning in primitive languages” em The meaning of meaning. New York: Harecourt, Brace and World, pp. 296-336, 1923.

 

 

Mi nombre es Anabella, soy de Argentinasoy profesora de español y examinadora del DELE.

Tengo un grado en lingüística y literatura de la lengua española (Letras). Actualmente, además de dar clases de español, continúo mi carrera como lingüista haciendo investigación en gramática del español y variación lingüística en la Universidade Estadual de Campinas (Brasil).

Anabella

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