Tzvetan Todorov (1939-2017) foi um crítico e teórico-literário representativo do chamado “estruturalismo” na literatura. No seu texto “Iluminações” (2018), Todorov realiza uma análise crítica do livro de poemas em prosa Iluminações, de Artur Rimbaud. Este texto busca atingir simultaneamente dois objetivos: primeiramente, trazer luz ao problema da semântica das Iluminações, livro que teve grande importância na história da literatura moderna – caraterizado pela sua “obscuridade” de interpretação – e, consequentemente, com uma longa tradição crítica. Em segundo lugar, ao realizar a análise destes poemas, se apresenta um modo de ler os textos literários, próprio do estruturalismo: uma leitura que problematiza a relação entre literatura e real, a ideia de que a linguagem pode representar o real (em termos de cópia) que tinha uma longa tradição literária. Todorov realiza uma crítica aos modos de leitura que entendiam a relação da linguagem com o mundo como uma relação direta (relação transparente entre o signo linguístico e o referente) e propõe uma forma de aproximação ao texto literário que leve em consideração sua matéria: a linguagem. Em seguida, nos referiremos a crítica de Todorov sobre os modos de leitura que receberam as Iluminações e a sua proposta para ler os textos literários.
Todorov realiza uma classificação das diferentes atitudes críticas que as Iluminações têm suscitado. A primeira postura é chamada por Todorov de crítica evhemerista em razão do autor da Antiguidade, Evhemere, que lia Homero como uma narrativa verídica que traz um ensinamento sobre o mundo. Este tipo de leitura atravessa o texto de forma direta: o texto torna-se uma fonte de informação. Assim, os textos de Rimbaud foram lidos como uma fonte de informação sobre a vida do poeta: “Os críticos provam uma engenhosidade digna de Sherlock Holmes, ao consultarem o calendário dos acontecimentos meteorológicos durante uma dezena de anos” (TODOROV, 2018, p.266). Este tipo de leitura, de acordo com Todorov, não é pertinente para a literatura, pois implica desentender a diferença entre história e ficção, e, em consequência. O texto de Rimbaud não é um documento com dados históricos, é poesia.
A segunda forma de leitura das Iluminações é a crítica etiológica que busca as causas da escrita na vida do autor: “Mais do que procurar um sentido do texto, perguntam-se as razões que levaram Rimbaud a exprimir-se daquele modo” (TODOROV, 2018, p.268). Esta aproximação se baseia no pressuposto de que a linguagem é uma expressão direta do homem e os poemas são janelas à vida do poeta: “a transparência referencial dá lugar a uma transparência orientada para o autor, de que o texto não é a bem dizer a expressão, mas de algum modo o sintoma” (idem). Assim, por exemplo, em Manhã de Embriaguez, a crítica etiológica se contenta com afirmar que o autor escreveu sob a influência do haxixe como uma explicação do poema. Porém, este tipo de informação não resulta pertinente para a leitura do texto literário, pois não contribui a interpretação dos sentidos do texto em particular e esquece que o poema é um trabalho de construção com a linguagem. Tanto na crítica evhemerista quanto na crítica etiológica, o texto literário é uma “ponte” para uma outra coisa, perdendo-se assim a particularidade do texto literário.
A terceira postura perante os poemas de Rimbaud é a crítica esotérica. Sendo os poemas de Rimbaud tão obscuros, eles foram objeto de interpretações esotéricas: “cada elemento problemático do texto é substituído por outro, resultante de uma qualquer variante do simbolismo universal, da psicanálise à alquimia” (TODOROV, 2018, p.269). Se bem a crítica esotérica se ocupa efetivamente dos sentidos dos textos, suas interpretações nunca podem ser confirmadas e ainda não levam em consideração a composição do texto e o sentido que ela produz.
A última forma de leitura das Iluminações é a crítica paradigmática. Esta atitude consiste em achar relações entre alguns elementos do texto ou de vários textos e explica-las:
Parte do postulado de que a continuidade é desprovida de significação; de que a tarefa do crítico consiste em aproximar elementos do texto mais ou menos afastados para mostrar a sua similitude, oposição ou parentesco; numa palavra, o que é pertinente é o paradigma e não o sintagma. (Idem, p.269-270)
O problema que Todorov salienta nesta atitude crítica é que não se leva em consideração “o sintagma”, isto é, a combinação e organização de palavras na estrutura sintagmática que possibilita certos sentidos e não outros. Esta aproximação ao texto não permite ler a particularidade das Iluminações, fazendo com que não haja diferença entre elas e outros textos quaisquer.
Perante esta crítica aos modos de ler que receberam as Iluminações, Todorov propõe uma análise que saliente o traço predominante desses poemas: a “incoerência de superfície”. Este modo de ler consiste em colocar o foco na forma da linguagem e na organização do texto: “levar a sério a diferença de leitura, em não a considerar um acidente de percurso, fraqueza fortuita dos meios que nos deveriam conduzir ao significado último, mas torna-la o próprio objeto do nosso exame, em perguntar-se se o particular das Iluminações não se trate na própria maneira de expressar os sentidos” (TODOROV, 2018, p.270, os itálicos são nossos). O que faz particular as Iluminações, como assim também o que tem de particular qualquer texto literário (o que diferencia todo texto literário de outros textos literários), é a forma da linguagem: uma determinada composição das palavras no sintagma, a organização do texto, faz com que se produzam certos sentidos e não outros. Todorov parte do suposto de que a linguagem não fala do mundo de forma transparente, por tanto o significado do poema não deve ser procurado por fora dele mesmo. Antes, a leitura que Todorov julga legitima da análise literária – em línea com outros teóricos literários estruturalistas como Jakobson (1958) – é olhar como o discurso é construído e qual é o sentido que ele produz.
No caso particular da leitura de Todorov das Iluminações, o sentido reside na ausência de sentido. Essa ausência de sentido se produz na impossibilidade do reconhecimento do referente mediante diversas combinações no plano sintagmático. A forma principal é a simples justaposição de palavras sem nenhuma relação entre elas. No seguinte fragmento de Gênio se observa este procedimento salientado por Todorov, um elenco de sintagmas nominais coordenados por vírgulas sem nenhum predicado que permita uma construção e estabelecer uma relação referencial:
Ó suas respirações, suas cabeças, suas progressões; a terrível celeridade da perfeição das formas e de ação!
Ó fecundidade do espírito e imensidão do universo!
Seu corpo! O desprendimento sonhado, o quebrantamento da graça perpassada por violência nova!
Seu olhar, seu olhar! todas as genuflexões antigas e as penas redimidas após sua passagem.
Seu dia! a abolição de todos os sofrimentos sonoros e móveis na mais intensa música.
Seu passo! as migrações mais enormes que as antigas invasões.
Ó ele e nós! o orgulho mais benévolo que as caridades perdidas.
Ó mundo! e o canto claro dos novos flagelos! Ele nos conheceu a todos e a todos nos amou. Saibamos, esta noite de inverno, de cabo em cabo, do pólo tumultuoso ao castelo, da multidão à praia, de olhares em olhares, forças e sentimentos cansados, chamá-lo e vê-lo, e despedi-lo, e sob as marés e no alto dos desertos de neve, seguir suas visões, seus alentos, seu corpo, sua luz. (RIMBAUD, 2012)
Outra caraterística das Iluminações que impossibilita a referência é a tendência à abstração, lograda com nominalizações deverbativas como o “quebrantamento da graça” no lugar de “a graça se quebranta”, a “abolição de todos os sofrimentos” no lugar de “abolir todos os sofrimentos”, termos genéricos, e evocação de objetos indeterminados: “Como representar as monstruosidades? Ou a infância? Ou a substância? E os fenómenos? Ou a celeridade da perfeição? É este um dos problemas que sempre levantou aos comentadores de Rimbaud” (TODOROV, 2018, p.283).
Em síntese, Todorov esboça uma análise dos poemas de Rimbaud a partir da sua composição sintagmática. Entendendo que a linguagem tem seu próprio sistema e que a representação que ela expõe do mundo não é transparente, antes está mediada por suas estruturas, a proposta de Todorov se afasta das atitudes críticas que buscam no texto literário uma referência ao mundo real. Em troca, ele propõe que a pergunta que deveria conduzir a leitura do texto literário é a pergunta pelo sentido: qual é o sentido que o texto produz e quais são os meios formais que lhe dão lugar. Esse é o tipo de atitude que representa o trabalho da crítica estruturalista.
Bibliografia
JAKOBSON, Roman. “Lingüística y poética” em Ensayos de lingüística general (1958) Barcelona: Planeta, 1984.
RIMBAUD, Arthur. Iluminações.1886, tradução Janer Cristaldo. EBooksBrasil, 2012.
TODOROV, Tzvetan. “Iluminações” em Os gêneros do discurso. Tradução de Nícia Adan Bonatti. São
Mi nombre es Anabella, soy de Argentina y soy profesora de español y examinadora del DELE.
Tengo un grado en lingüística y literatura de la lengua española (Letras). Actualmente, además de dar clases de español, continúo mi carrera como lingüista haciendo investigación en gramática del español y variación lingüística en la Universidade Estadual de Campinas (Brasil).